Prédio comercial da década de 40 vai virar residencial
Edifício Maranhão será o primeiro a ar por transformação após a Lei do Retrofit, que busca revitalizar o Centro da capital mineira
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Siga noBelo Horizonte vai ter o primeiro prédio transformado com base na Lei do Retrofit (Lei 11.783, de 6 de dezembro de 2024). Localizado na Rua dos Tupinambás, no Centro de BH, o Edifício Maranhão foi construído na década de 40 para fins comerciais e será reformado para se tornar residencial. Nesse caso, o retrofit consiste no reaproveitamento de uma edificação subutilizada ou até mesmo desocupada. Na capital mineira, reformas desse tipo realizadas no hipercentro são amparadas pela legislação, que garante benefícios e, de acordo com especialistas ouvidas pelo Estado de Minas, é uma resposta ao cenário de abandono da Região Central de BH.
O termo estrangeiro retrofit significa colocar algo moderno no que é antigo, como explica Branca Macahubas, urbanista e consultora em inovação urbana. “O retrofit é uma solução inteligente para cidades que precisam crescer sem destruir o que já foi construído. Ele valoriza imóveis, economiza recursos e ajuda a revitalizar áreas urbanas. Em vez de demolir e começar do zero, a ideia é reaproveitar o que já existe com criatividade e planejamento”, afirma a profissional, que também é ex-secretária de Regulação Urbana de BH.
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No caso do Edifício Maranhão, que é tombado pelo município, ele vai ser transformado em um prédio residencial de 124 apartamentos. A construção, de 15 andares, estava subutilizada, com apenas 30% das 135 salas alocadas, de acordo com Leticia Lobato, sócia-a da Maranhão Predial istrações e Participações Ltda., que conta ter buscado incorporadores para o retrofit da edificação. Ela também afirma que esse cenário de desocupação é um reflexo do impacto que a pandemia teve no aluguel de espaços comerciais.
“Penso que o Edifício Maranhão será relevante para a cidade de Belo Horizonte por outros cem anos”, afirma Lobato sobre o retrofit. Ela conta que até os anos 2010 o prédio tinha fila de espera para aluguel de uma sala.
‘Regeneração’
O licenciamento para a regeneração do prédio, termo utilizado pela arquiteta Gisele Borges, responsável pelo projeto, foi emitido pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) na última sexta-feira (6/6). A profissional conta que o plano para o Edifício Maranhão é construir apartamentos “mais compactos”, com cerca de 30 metros quadrados cada.
Ela explica que essa decisão foi tomada tendo em vista resultados de uma pesquisa de mercado, que apontou que o valor médio que as pessoas estão dispostas a pagar para morar no centro de BH é cerca de R$ 350 mil a R$ 400 mil. A área foi estipulada para corresponder a esse preço.
Borges afirma que também foi apontado que o perfil de moradia na Região Central da capital mineira atrai mais solteiros, casais que não moram mais com filhos ou aqueles que não pretendem tê-los. “Embora tenha uma arquitetura vibrante e muito importante, é um centro adormecido. À noite ele é adormecido, tem problemas de percepção de segurança, de limpeza, de calçada quebradas, de cheiro ruim – o que faz com que não atraia o perfil família”, explica ela, que também é coordenadora de Regeneração do Centro de BH do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte (Codese-BH).
Sobre as alterações no prédio, projetado por Raphael Hardy Filho no estilo que transita entre art déco e protomodernismo, Gisele Borges detalha que a fachada será preservada e apenas restaurada. No interior, para a reconversão de uso, “outras necessidades aparecem”, diz. Entre elas, a criação de cozinhas, banheiros residenciais e a troca da parte elétrica e hidráulica. Para as adequações, a arquiteta afirma que o planejado é não retirar ou destruir os sistemas já existentes, mas adicionar novos paralelamente e não utilizar os antigos.
Lei do Retrofit
Apesar de o Edifício Maranhão ser o primeiro a ser “retrofitado” com base na Lei 11.783, a prática já ocorre em outras construções da cidade, como no icônico prédio localizado na Avenida Afonso Pena que por 40 anos abrigou o Othon Palace Hotel. Fechado desde 2018, o edifício de 19 pavimentos não será somente um hotel. Após o retrofit, ele terá uso misto, com quartos de hotel, apartamentos de até três dormitórios e flats. Estão previstos também espaços para eventos, rooftop com piscina, restaurante, coworking e bar, abertos ao público.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a legislação surgiu para incentivar o aproveitamento de imóveis subutilizados ou desocupados no Centro de BH para resgatar a vitalidade da região. Para o secretário municipal de Política Urbana, Leonardo Castro, a emissão do primeiro alvará de construção é um o concreto para tornar o centro da capital mineira mais habitável, seguro e conectado “às demandas contemporâneas de moradia e uso urbano”.
A legislação do retrofit flexibiliza exigências do Código de Edificações, de forma a facilitar e acelerar o processo de adaptação de imóveis antigos. Entre as mudanças estão a permissão para ventilação mecânica em banheiros, uso de fachadas aeradas e a dispensa obrigatória de vagas de garagem, de acordo com a PBH.
Incentivos fiscais
No âmbito fiscal, a Lei do Retrofit garante isenção do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (Itbi) na aquisição de imóveis destinados a serem edificações habitacionais ou de uso misto e concede desconto de 50% no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (Iptu) por até três anos. No caso de edificações sociais, que não é uma exigência da legislação, há isenção de multas de regularização, se houverem.
"Esse conjunto de incentivos, que reúne benefícios fiscais, flexibilização de normas e estímulo à habitação social, tem potencial para transformar o Centro de Belo Horizonte. É uma ferramenta poderosa de requalificação urbana", afirma o secretário municipal de Política Urbana.
A arquiteta Gisele Borges, que já tinha experiência com outros retrofits, avalia que a legislação é positiva no quesito de benefícios fiscais e na agilidade de aprovação do projeto, que no caso do Edifício Maranhão foi em menos de 10 dias. No entanto, para a profissional, poderia haver mais incentivos para tornar a prática mais atrativa, especialmente para destinação social.
Entre outras possíveis medidas, Borges aponta como sugestão a viabilização para consultar se um edifício está subutilizado ou desocupado, para que seja despertado o interesse de assumi-lo, e a quantidade de proprietários. Ela explica que quando uma edificação tem múltiplos donos fica mais difícil para a aquisição e incorporação. O Edifício Maranhão, por exemplo, tem apenas um proprietário.
Condições específicas
A legislação determina que os incentivos previstos estão condicionados à garantia de medidas que promovam a sustentabilidade, segurança e inclusão social. Entre elas, a adoção de tecnologias voltadas à eficiência energética e o cumprimento de normas de ibilidade.
Além disso, pressupõe a obrigatoriedade da garantia de ao menos uma solução projetual de gentileza urbana, sendo elas: fachadas ativas, com uso comercial no térreo; área de fruição pública; e terraço aberto ao público destinado ao uso não residencial. As intervenções devem ainda obedecer “às normas de segurança contra incêndios e preservar condições mínimas de ventilação e iluminação”, de acordo com o Executivo municipal.
Centro esvaziado
O centro da capital mineira sofre com o esvaziamento populacional e econômico desde os anos 1960, quando os moradores mais ricos migraram para bairros como a Savassi. Com isso, parte do comércio e da vida que pulsavam por ali também se foi. Décadas depois, o cenário é de prédios fechados, ruas esvaziadas após o horário comercial e uma sensação de insegurança que afasta ainda mais os investimentos, analisa a urbanista Maria Clara Ferreira, especialista em revitalização urbana e arquitetônica.
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Para ela, o problema vai além do simples abandono. “Quando uma região central perde investimento, ela entra em um ciclo de degradação. Sem infraestrutura e segurança, ela deixa de atrair novos moradores e negócios, o que aprofunda o problema”, aponta. Outro fator para o esvaziamento da área central, segundo ela, é a chamada crise do varejo, acelerada pela pandemia e pelo avanço do e-commerce. “Muitos imóveis comerciais ficaram obsoletos, enquanto o consumidor busca alternativas mais convenientes, como o comércio digital”, diz.
Em outras áreas da cidade, o aumento expressivo do número de moradores poderia ser um agente do caos, com o aumento do fluxo de carros, sobrecarregamento de aparelhos da saúde pública e até transporte público. No entanto, Branca Macahubas acredita que esse não será um problema na região central da capital mineira, diante da subutilização registrada. “A ocupação do centro é mais do que benéfica para a cidade porque já é composta de uma infraestrutura de qualidade. Toda a região central tem uma excelente infraestrutura de mobilidade de ônibus e transportes variados, e de energia”, afirma a urbanista. n
*Estagiária sob supervisão da editora Vera Schmitz